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Cânticos Nocturnos
7 octobre 2006

Animale Collective - Feels Na mira destes

animalcollective

Animale Collective - Feels

Na mira destes concertos está, naturalmente, a divulgação de algumas das canções de Feels, o melhor álbum até ao momento editado pelos Animal Collective e, sem dúvida, um dos mais entusiasmantes discos de 2005. O grupo, que para este disco voltou a contar com a presença activa dos seus quatro elementos, opta aqui pela construção de canções espantosamente estruturadas e ricas em fontes de som, nas quais um sentido mais evidente de forma (leia-se canções) não significa o abdicar do seu habitual desejo de liberdade. O álbum arruma definitivamente quaisquer intenções taxonómicas, partilhando heranças de géneros e atitudes musicais (folk, psicadelismo, prog, e o que mais ali quisermos identificar), procurando antes o prazer da descoberta de formas pessoais de visitar alguns desses terrenos já comprovados como férteis na história da música popular. "As coisas que nos influenciam são até muito vagas. E quando somos influenciados por certos tipos de músicos não o somos exactamente pelo seu som, mas mais por uma ideia meio nostálgica de contemplação sobre o que certos tipos já fizeram, de como o fizeram", explicaram em conversa ao DN. Na sua filosofia de trabalho, que este álbum claramente traduz, há ainda um sentido de desafio, de vontade em desbravar o novo, o inesperado, como explica Panda Bear "Gostamos de fazer sempre coisas novas. Não gostamos de nos repetir, de usar os mesmos tipos de soluções". Este músico, de resto, foi a razão pela qual os Animal Collective ensaiaram esta digressão em Lisboa e a abrem publicamente em Portugal. Residente entre nós há algum tempo, Bear já tem obra a solo criada por cá.
Nestes próximos dias sugere-se o encontro certo com a banda certa neste momento. Uma banda que, de álbum para álbum, cada vez mais deixa crer que é um dos nomes pelos quais o nosso tempo será um dia recordado. Nuno Galopim

Há algum tempo, quando iniciava a minha actividade actual, um colega ligeiramente mais velho que eu desabafou. Disse que na nossa área já tudo o que era fácil ou mais óbvio tinha sido feito, e que nos restava apenas o que era difícil, aquilo que os que nos precederam não quiseram fazer porque não tiveram paciência para tal. Foi uma afirmação exagerada, mas com o seu quê de verdade. No pop-rock actual a situação não é muito diferente. Depois da sua infância, nos finais dos anos 60 chegou o primeiro choque do "está tudo feito". A solução encontrada pelas bandas na altura foi "complicar" e "refinar" o rock e a pop, dando origem ao que se veio a chamar rock progressivo. Com isso nasceu um periodo áureo do pop-rock, onde bandas como King Crimson, Pink Floyd ou Can brilharam com força. Não demorou muito tempo até que a procura da complexidade começasse a gerar o exagerado e o excessivo. Bandas como Rocket from the Tombs ou os Ramones vieram e mostraram que afinal ainda havia muito que fazer no rock, que não era preciso complicar. As coisas ficaram assim durante anos, os efeitos do punk irradiaram e iluminaram muita da música popular feita na década de 80.
Até chegarmos ao final da década de 90 e assistirmos à primeira crise criativa realmente a sério do pop-rock. Com o post-rock no ar e a electrónica cada vez mais presente, simplesmente parecia que não existia mais lugar para o rock no novo milénio que se avizinhava. Parecia, mas não era verdade. Aconteceu que os miúdos ainda queriam ouvir rock, e não conheciam o antigo. Aconteceu que não se importaram de ouvir bandas que copiavam descaradamente o antigo. Aconteceu que gostaram dos The Strokes, dos Interpol, dos Franz Ferdinand e dos Kaiser Chiefs. E então tornou-se óbvio que o rock passou a cumprir um outro espaço. Não o da novidade, provocação ou rebeldia, mas o da catarse de sentimentos e de vontade de se divertir com canções como estas. E então reapareceu o rock com um novo corpo, sem rebeldia, mas com tradições.
E... no entanto... será que ainda existe lugar para o lado irrequieto do rock de outrora? Será que a surpresa desapareceu definitivamente? Ouve-se bandas como Gang Gang Dance e pressente-se que ainda há algo no ar. Ouviu-se o "Sung Tongs" dos Animal Collective e viu-se que ainda há lugar para a novidade. Abrasamos com Wolf Eyes e sentiu-se a alma dilacerante do rock. Descobriu-se os Lightning Bolt e viu-se que afinal o rock ainda podia ser mais violento do que aquilo que parecia poder ser. Simplesmente tudo isto acontece numa nova cultura underground essencialmente americana. Sem as revoluções de outros tempos, é certo, mas ainda com o espirito de quem faz coisas que ainda não se fizeram.
E "Feels" dos Animal Collective aparece agora. Ouve-se "Feels" e a primeira reacção foi "mas que coisa estranha é esta?". Os Animal Collective continuam estranhos como outrora, talvez mais. À segunda audição começam a chover pedaços de memória no cerebro. Olha, aquilo parece The Beach Boys... e aquilo não é Pink Floyd? A dada altura chego mesmo a pensar que isto é novamente a tal pop feita com um aspirador que os Mercury Rev um dia fizeram, em épocas mais inspiradas. Continua-se a ouvir "Feels", perdido nestas considerações racionais, semi-intelectuais. Quando se dá por isso, surge a surpresa. Sem me aperceber estava irremediavelmente viciado nas melodias das canções de "Feels". E o que antes parecia uma forma mais rebuscada de fazer música pop, quase no espirito do que foi um dia o progressivo, passou a transparecer como um disco completamente instintivo, que se deixa levar por sentimentos dispares que fazem com que cada canção valha por 10. Não se trata de um disco com melodias muito inspiradas... trata-se de um disco em que cada canção trata de uma forma inesperada muitas melodias (nem sempre inspiradas), que ouvidas desta forma são um autêntico carrosel do pop-rock. As imagens de memórias passam pelas nossas cabeças, e também dá vontade de gritar "aleluia" como chega a acontecer na canção "The Purple Bottle" deste álbum. "Feels" é um daqueles discos que irão certamente adquirir um certo sabor de intemporalidade, mas por agora só resta ouvir o que lá está.

Folha de São Paulo

Há crianças na capa de Feels, o sétimo disco dos Animal Collective em cinco anos. Deakin, Geologist, Panda Bear e Avey Tare devem sentir-se como crianças. Crianças que brincam no recreio, crianças rurais que deitam líquidos azuis da boca e dos olhos, crianças que perdem a cabeça (literalmente) com patos, pintainhos, cabras, pássaros e vegetação à volta. Este espectáculo grotesco é enganador, já que a capa esconde um dos melhores e mais importantes discos pop do ano 2005. “’Cause it’s messy / yes / this mess is mine” (com um prolongamento grande da vogal “i” de “mine”), de “Did you see the words” dá o tom para o disco. Esta confusão, para o bem (não há mal em Feels), é toda deles. São estas explosões, estas vogais prolongadas, os “oooh”, os “aaah”, aliados às guitarras hipnóticas e viciantes, que fazem de Feels o que ele é: um disco perfeito, de uma perfeição descuidada, sem momentos maus ou fracos. Isso e as canções, todas elas absolutamente enormes. “Did you see the words” tem vozes de crianças felizes a gritar, tem partes grotescas, como “The words cut open / your poor intestines / can’t deny / when the inky periods drip from your mailbox / and blood flies dip / and glide reach down / inside” (com o segundo “I” prolongado), mas também tem “whoa-whoa” catárticos.
“Grass”, o single de avanço, começa com uma guitarra preguiçosa, à qual se junta rapidamente uma percussão tribal e uma cadência épica com uma pequena muralha de som de guitarras. Tem uma ponte fortíssima com o grito de “We do the dance up on the plains / then I shake your shoulders” a entrar no refrão “You push me down into the grains / who rubs our noses in the night? / we do we do”, que culmina com gritos de pássaros ou hienas, “pow / now / pow” repetidos várias vezes. É uma canção com uma estrutura algo convencional, mas não menos eficaz por causa disso. “Flesh Canoe” vai-se desenrolando de forma preguiçosa, mas, mesmo antes de se tornar aborrecida, há a parte final que dá sentido a tudo: “’cause what this song’s about / is me singing / I’m just wondering what to do / with you, myself and me / naked in the mirror of the bathroom.” “The Purple Bottle” é para dançar na travessia de um rio no meio da floresta tropical, com um piano, guitarras, percussão e “de roo de roo roo oo”. “Sometimes I’m quiet and / sometimes you’re quiet / hallelujah! / sometimes I’m talkative / and sometimes you’re not talkative / I know” é uma cantada à volta da fogueira, com crianças a usar máscaras e a dançar com paus nas mãos ou assim. Há outras pérolas, como “Can I tell you that you are the purple in me?”, mas no fim a canção muda para um break à la Beach Boys circa Smile, com uivos. “Bees” tem aquilo que podia ser um qualquer instrumento de cordas tocado com facas (mas será, provavelmente, uma autoharpa).
“Banshee Beat” é provavelmente a melhor canção do ano, desde a guitarra do início para a catártica experiência que é quando a canção propriamente dita começa, com as percussões tribais e o grito em “I ducked out / go down to find the swimming pool” (mais uma vez, “pool” é prolongado, no melhor exemplo disso de todo o disco).
Tem a melhor letra do disco, com partes altamente citáveis, tais como “I don’t think / that I like you anymore/ well I found new feelings / at the feeling store” ou “Confusion’s not a kidney stone / in my brain / but if we’re miscommunicating / do we feel the same?Tudo aqui é perfeito, as melodias, a percussão, os gritos de “swimming pool”, os gritos de “swimming pool”, os gritos de “swimming pool”…”swimming pooOOOOOOOOOOOOOOOL”. Faz todo o sentido, todo o sentido. É como se nada tivesse feito tanto sentido como “Banshee Beat” até a este momento. “Daffy Duck” tem o riff de guitarra, a voz cantada e as desbundas melódicas da guitarra. “Loch Raven” tem um loop digital e uns cânticos de vozes, percussão tribal e é a canção mais exploratória do disco. “Turn into Something” fecha o disco em perfeição, com vozes “la la eh” e algo que parece vindo de uma quinta num qualquer espaço rural. That should turn something / you should turn into something”. E tudo acaba, com o piano de Kristin Anna Valtysdottir (dos Múm) e um bocado de barulho sabe-se lá vindo de onde.
Feels é disco para ouvir todos os dias, a toda a hora. É disco para dar insónias quando se entranha dentro de nós e não conseguimos dormir a pensar em toda a beleza, em todas as melodias, em todas as canções. Mostra uns Animal Collective adultos e ao mesmo tempo eternamente jovens, eternamente crianças, como sempre foram. A diversão e a emoção tocante, o absurdo e a beleza, tudo ao mesmo tempo, em nove faixas que fazem todo o sentido juntas. Não encontraremos outro disco assim, nem hoje nem amanhã, nem nos próprios Animal Collective, talvez residindo aí a sua maior força. Os ácidos, os Beach Boys, o recreio, as melodias, a infância, o recreio, o amor. Feels é tudo isto e muito, muito mais.

Rodrigo Nogueira.

A minha avaliação -4.05

1- Did You See the World 4

2- Grass 4

3- Flesh Canoe 3,5

4- The Purple Bottle 4,5

5-Bees- 4

6- Banshee Beat 4,5

7- Daffy Duck 4

8-Loch Raven 4

9- Turn Into Something 4

Nota final: Os Animal Collective são o evento musical mais extraordinário da última e talvez da próxima década. 

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