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Cânticos Nocturnos
27 septembre 2006

Tema: as palavras do Papa e a reacção do mundo

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Tema: as palavras do Papa e a reacção do mundo árabe

Santa loucura

Mais cedo ou mais tarde, tinha de suceder. Sucedeu. O Papa Bento 16 visitou uma antiga universidade alemã e resolveu falar sobre as relações difíceis entre a fé e a razão. Digo "relações difíceis", mas Ratzinger discorda: para Bento, não existe nenhuma incompatibilidade entre a "fé" e a "razão" porque a razão é uma dádiva de Deus. A tese não constitui uma originalidade do actual Papa. É tese ortodoxa da Igreja Católica e, mais, foi precisamente um tal entendimento que permitiu a emergência da (expressão perigosa) "civilização ocidental": do renascimento carolíngeo à cultura monaquista da Idade Média (que salvou os textos clássicos que era possível salvar), o convívio entre as coisas do espírito e os trabalhos da mente contribuiu para a fundação das primeiras universidades (de Bologna a Paris) e até para lançar as bases do pensamento científico. Como? Pela "despersonalização" da natureza. Ao contrário do que sustentavam as antigas culturas animistas, a ideia de um universo criado por Deus implica a idéia de um criador que dotou o mundo de leis que só a razão humana pode descobrir.
É nesse contexto que se entendem as palavras de Bento 16: se a "fé" é compatível com a "razão", então a violência religiosa é irracional, ou seja, contrária a Deus. E, para ilustrar o ponto, Bento citou o debate entre o imperador bizantino Manuel 2 Paleólogo e um sábio persa: "Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo", afirma o imperador do século 14. "Não encontrarás senão coisas malignas e desumanas, tal como o mandamento de defender pela espada a fé que ele pregava." O ponto não era denunciar o Islã, que o Papa reconhece e defende (lembrar os cartoons da Dinamarca e a posição do Vaticano sobre eles). O ponto era denunciar que a violência religiosa é "maligna" e "desumana", ou seja, contrária ao espírito divino.
Fatalmente, os tempos não aconselham racionalidade ou debate. E o Islã radical, para provar que não é violento, prometeu logo actos de violência -- um belíssimo paradoxo capaz de derrotar qualquer filósofo. No Egipto, a impoluta Irmandade Muçulmana promete congregar a ira de todo o Islã contra os novos "cruzados" que Ratzinger alegadamente comanda. Na Turquia, já há quem compare Bento a Hitler e a Mussolini pela intolerância da visão. Marrocos mandou retirar o seu embaixador do Vaticano (enquanto, no Iraque, há quem defenda um ataque ao Vaticano). Mas a loucura máxima veio do Sudão. Esclarecimento prévio: há vários anos que o governo (muçulmano) de Cartum massacra sem limites as populações cristãs (e animistas) do sul -- um cenário de terror que, à imagem do Ruanda, terá um dia direito a filme de Hollywood e à pergunta sentimental: "Como foi possível deixar isso acontecer?" Agora, um xeique local deseja a cabeça de Ratzinger, na melhor tradição Rushdie. E na melhor tradição indígena.
Comentários? A loucura, por definição, não se comenta. E seria, no mínimo, aberrante que o Papa viesse publicamente penitenciar-se perante a ignorância do fanatismo. Pelo contrário. Se alguma atitude Ratzinger deveria ter, era a de lembrar os milhões de cristãos e católicos que, da Arábia Saudita ao Paquistão, do Yemen ao Irã, da Nigéria ao Sudão, continuam mergulhados na sua condição de "dhimmis", ou seja, cidadãos de segunda, desprovidos de direitos mínimos e, não raras vezes, condenados à prisão, à tortura e à morte por apostasia ou blasfémia.
Para início de desculpas, que tal isso como desculpa?

João Pereira Coutinho – Para o folha Online

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